No Brasil, alguns povos indígenas mantêm a prática do infanticídio – compreendido como a
morte intencional de infantes – para a eliminação de crianças que, por diferentes razões, não
são aceitas em suas tribos. Muito embora os motivos que ensejem essa prática modifiquem-se
de acordo com cada povo, alguns dos critérios principais para a prática tomam como principais
justificativas a impossibilidade de a mãe dedicar atenção ao filho recém-nascido; a incapacidade
de o bebê, em razão das suas condições físicas ou mentais, sobreviver naquele ambiente físico
e sociocultural; e ainda, a preferência por um determinado sexo. Por se tratar de uma prática
cultural, a defesa do direito fundamental à vida das crianças rejeitadas esbarra no
reconhecimento das tradições indígenas, surgindo o dilema da propositura de direitos humanos
universais em face da diversidade cultural. Contudo, apesar da constatação da existência de
inúmeros comportamentos culturais, algumas necessidades são comuns a todas as pessoas, fato
que dá fundamento à dignidade humana e, por sua vez, fundamenta a possibilidade de se fixar
um grupo de direitos mínimos, válidos a todos os seres humanos. Nesse contexto, o presente
trabalho propõe-se a analisar, a partir da compreensão sobre a concepção de infância e sua
historicidade, bem como a evolução dos direitos infanto-juvenis, a prática do infanticídio a
partir do olhar teórico da Doutrina da Proteção Integral, teoria que, muito embora tenha cunho
universalizante – haja vista reconhecer em toda criança e adolescente sujeitos de direitos – não
se coloca em contrariedade com as propostas do multiculturalismo, apenas limita o princípio da
autodeterminação dos povos naquilo que contrariar direito fundamental de criança ou
adolescente. Para fazer tais analises, foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa,
havendo a necessidade do estudo aprofundado sobre a compreensão histórico-social e o
ambiente organizacional dos grupos que compõe o estudo, tendo sido realizada leituras em
livros, dissertações, periódicos, e artigos na área do Direito e das Ciências Sociais, e
documentários para que pudesse formar uma posição avalizada a respeito do tema investigado.
Por ser tema de ampla discussão doutrinária, acadêmica, legislativa e jurídica, como método
científico, optou-se pelo método hipotético-dedutivo, podendo a hipótese levantada ser
ratificada ou refutada em estudos posteriores. O procedimento técnico adotado foi o
monográfico, a partir da técnica de pesquisa documentação indireta. Ao final, diante da
inadmissibilidade do infanticídio como prática cultural, sugere-se que as práticas protetivas
propostas para a erradicação desse costume sejam pautadas no diálogo intercultural. Assim,
aventa-se a implementação do instituto da “entrega voluntária”, recentemente introduzido no
ECA (art. 19-A) como política pública que possa compatibilizar o respeito às tradições
indígenas em face da doutrina da proteção integral.